terça-feira, 19 de maio de 2009

Consumidor já valoriza a certificação

Brasil quer liderar criação de selo socioambiental agropecuário Daniela Chiaretti escreve para o “Valor Econômico”: O consumidor brasileiro compraria um produto florestal com certificado ambiental e pagaria um valor maior por isso. E mais gente diz que daria preferência a carnes, frutas ou legumes que viessem com um selo garantindo sua produção de acordo com o manual socioambiental, mesmo que fossem mais caras que as de origem incerta e duvidosa. É esse o diagnóstico de uma pesquisa Datafolha encomendada pela ONG ambientalista Amigos da Terra - Amazônia Brasileira e feita com 2055 pessoas, de 18 anos ou mais, espalhadas pelo país.
No primeiro caso, 81% dos entrevistados disseram que sim, escolheriam madeiras, pisos, portas ou mel e castanhas que fossem mais "verdes" e socialmente justos. No segundo, 85% revelaram que pagariam mais caro por produtos agrícolas ou carne certificada - uma prática recente e ainda tímida no Brasil."A pesquisa mostra uma familiarização progressiva do brasileiro com o tema e a disponibilidade de pagar por isso" comemora Roberto Smeraldi, diretor da Amigos da Terra. "E pedir o mesmo nos produtos agropecuários me parece uma evolução importante". O ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, hoje coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas, é mais cético e relativiza a promessa do consumidor. "Este mercado ainda não é claro", diz. "Na hora de expressar a intenção, o pessoal diz que pagaria mais. Mas lá no supermercado, quando se apresenta um produto mais caro e outro mais barato, o cliente fica com o barato." E emenda: "Mas acho que, no longo prazo, isso vai acontecer. "Smeraldi e Rodrigues, junto de outros ambientalistas, produtores e sindicalistas, estão à frente de uma experiência pioneira no país - a Iniciativa Brasileira para Certificação Agrícola e Pecuária -, que começou há três anos. A lógica do movimento é a constatação que o Brasil está em primeiro ou segundo lugar na produção das principais commodities do mundo e seria natural que liderasse um processo de certificação agropecuária."Não quero correr o risco de ter que engolir a certificação de terceiros ou uma picaretagem", diz Rodrigues. "Pensamos em montar algo sério, uma certificação sobre a égide do tropicalismo, em um processo de equilíbrio entre produtor, ambientalista e consumidor. "Dentro do fórum, ambientalistas e exportadores puxam o coro de critérios rigorosos, para dar credibilidade ao processo. Quem trabalha mais no mercado interno tende a puxar o freio, dizer que muita sofisticação excluirá participantes. A sinalização da pesquisa Datafolha, no entanto, é a de que os consumidores querem conhecer a origem dos produtos que compram.Há dois anos, uma outra pesquisa com amostra semelhante foi feita pelo Ministério do Meio Ambiente com a organização não governamental ISER e conduzida pelo Vox Populi. Ali, a marca da mais famosa certificação no Brasil, o selo FSC do Forest Stewardship Council, era desconhecida do público. Agora, na enquete Datafolha, 20% dos entrevistados disseram conhecer produtos com selo FSC. De maneira espontânea, citaram a Faber-Castell e a Natura como empresas que exibem o selo em seus produtos."Apesar da crise e de tudo o que está acontecendo, nunca a certificação cresceu tanto", diz o biólogo brasileiro Roberto Waack, chairman do FSC, entidade internacional com base na Alemanha. "Os níveis de crescimento são históricos", reforça. O Brasil, lembra, é muito forte no segmento de florestas plantadas, mas tem participação tímida na produção de madeira tropical certificada. Luis Fernando Guedes Pinto, secretário-executivo do Imaflora, o principal certificado do Brasil, diz que "a sociedade brasileira acordou para o fato que a agropecuária é o grande vetor de impacto no país, seja de desenvolvimento, degradação ou condições de trabalho". Segundo ele, o consumidor ainda não entende a conexão que o açúcar, o café ou o bife têm com o ambiente ou a vida das pessoas. "Mas começa a demonstrar que quer ser informado sobre isso".No front empresarial, destaca, "existe um grupo de empresários que merece ser diferenciado, que têm tecnologia, conservam o ambiente, tratam bem seus trabalhadores, e a prova disso é que a certificação só aumenta. É um instrumento diferenciador, a garantia daquela diferença."A pesquisa Datafolha não explorou um dos tópicos mais atuais no debate de selos e rótulos - o dos produtos que têm organismos geneticamente modificados, mais conhecidos como transgênicos, em sua formulação. A legislação determina, mas os fabricantes não rotulam, amparando-se na ambiguidade da lei ou na dificuldade de se provar a presença do transgênico no produto."Todos têm o direito de saber o que estão comendo" diz Rafael Cruz, coordenador da campanha transgênicos do Greenpeace. "Se podemos saber se um produto têm corantes porque não saber que foi modificado geneticamente?" questiona. "As empresas têm que cumprir a determinação e o Ministério da Agricultura deve fiscalizar a cadeia, do campo à prateleira."(Valor Econômico, 18/5)

Fonte:
Jornal da Ciência. Consumidor já Valoriza a Certificação. Disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=63493 Acesso em: 19 maio 2009.



segunda-feira, 11 de maio de 2009

Pandemia de gripe de 1918

Abrigados em trincheiras, os soldados enfrentavam, além de um inimigo sem rosto, chuvas, lama, piolhos e ratos. Eram vitimados por doenças como a tifo e a febre quintana, quando não caíam mortos por tiros e gases venenosos.
Parece bem ruim, não é mesmo? Era. Mas a situação naquela Europa transformada em campo de batalha da Primeira Grande Guerra Mundial pioraria ainda mais em 1918. Tropas inteiras griparam-se, mas as dores de cabeça, a febre e a falta de ar eram muito graves e, em poucos dias, o doente morria incapaz de respirar e com o pulmões cheios de líquido.
Em carta descoberta e publicada no British Medical Journal quase 60 anos depois da pandemia de 1918-1919, um médico norte-americano diz que a doença começa como o tipo comum de gripe, mas os doentes “desenvolvem rapidamente o tipo mais viscoso de pneumonia jamais visto. Duas horas após darem entrada [no hospital], têm manchas castanho-avermelhadas nas maçãs do rosto e algumas horas mais tarde pode-se começar a ver a cianose estendendo-se por toda a face a partir das orelhas, até que se torna difícil distinguir o homem negro do branco. A morte chega em poucas horas e acontece simplesmente como uma falta de ar, até que morrem sufocados. É horrível. Pode-se ficar olhando um, dois ou 20 homens morrerem, mas ver esses pobres-diabos sendo abatidos como moscas deixa qualquer um exasperado”.

Enfermaria com gripados em Luxemburgo. NMHM/US. A gripe espanhola – como ficou conhecida devido ao grande número de mortos na Espanha – apareceu em duas ondas diferentes durante 1918. Na primeira, em fevereiro, embora bastante contagiosa, era uma doença branda não causando mais que três dias de febre e mal-estar. Já na segunda, em agosto, tornou-se mortal.
Enquanto a primeira onda de gripe atingiu especialmente os Estados Unidos e a Europa, a segunda devastou o mundo inteiro: também caíram doentes as populações da Índia, Sudeste Asiático, Japão, China e Américas Central e do Sul.
O mal chega ao Brasil
No Brasil, a epidemia chegou ao final de setembro de 1918: marinheiros que prestaram serviço militar em Dakar, na costa atlântica da África, desembarcaram doentes no porto de Recife. Em pouco mais de duas semanas, surgiram casos de gripe em outras cidades do Nordeste, em São Paulo e no Rio de Janeiro, que era então a capital do país.

Morto pela gripe. Rio de Janeiro. Clube de Engenharia. As autoridades brasileiras ouviram com descaso as notícias vindas de Portugal sobre os sofrimentos provocados pela pandemia de gripe na Europa. Acreditava-se que o oceano impediria a chegada do mal ao país. Mas, com tropas em trânsito por conta da guerra, essa aposta se revelou rapidamente um engano.
Tinha-se medo de sair à rua. Em São Paulo, especialmente, quem tinha condições deixou a cidade, refugiando-se no interior, onde a gripe não tinha aparecido. Diante do desconhecimento de medidas terapêuticas para evitar o contágio ou curar os doentes, as autoridades aconselhavam apenas que se evitasse as aglomerações.
Nos jornais multiplicavam-se receitas: cartas enviadas por leitores recomendavam pitadas de tabaco e queima de alfazema ou incenso para evitar o contágio e desinfetar o ar. Com o avanço da pandemia, sal de quinino, remédio usado no tratamento da malária e muito popular na época, passou a ser distribuído à população, mesmo sem qualquer comprovação científica de sua eficiência contra o vírus da gripe.

Clube de Engenharia.
Imagine a avenida Rio Branco ou a avenida Paulista sem congestionamentos ou pessoas caminhando pelas calçadas. Pense nos jogos de futebol. Mas, ao invés de estádios cheios, imagine os jogadores exibindo suas habilidades em campo para arquibancadas vazias. Pois, durante a pandemia de 1918, as cidades ficaram exatamente assim: bancos, repartições públicas, teatros, bares e tantos outros estabelecimentos fecharam as portas ou por falta de funcionários ou por falta de clientes.
Pedro Nava, historiador que presenciou os acontecimentos no Rio de Janeiro em 1918, escreve que “aterrava a velocidade do contágio e o número de pessoas que estavam sendo acometidas. Nenhuma de nossas calamidades chegara aos pés da moléstia reinante: o terrível não era o número de casualidades - mas não haver quem fabricasse caixões, quem os levasse ao cemitério, quem abrisse covas e enterrasse os mortos. O espantoso já não era a quantidade de doentes, mas o fato de estarem quase todos doentes, a impossibilidade de ajudar, tratar, transportar comida, vender gêneros, aviar receitas, exercer, em suma, os misteres indispensáveis à vida coletiva”.
Durante a pandemia de 1918, Carlos Chagas assumiu a direção do Instituto Oswaldo Cruz, reestruturando sua organização administrativa e de pesquisa. A convite do então presidente da república, Venceslau Brás, Chagas liderou ainda a campanha para combater a gripe espanhola, implementando cinco hospitais emergenciais e 27 postos de atendimento à população em diferentes pontos do Rio de Janeiro.
Estima-se que entre outubro e dezembro de 1918, período oficialmente reconhecido como pandêmico, 65% da população adoeceu. Só no Rio de Janeiro, foram registradas 14.348 mortes. Em São Paulo, outras 2.000 pessoas morreram.
A evolução de um vírus mortal

Tratamento preventivo contra gripe. EUA. NMHM/US. Ainda hoje restam dúvidas sobre onde surgiu e o que fez da gripe de 1918 uma doença tão terrível. Estudos realizados entre as décadas de 1970 e 1990 sugerem que uma nova cepa de vírus influenza surgiu em 1916 e que, por meio de mutações graduais e sucessivas, assumiu sua forma mortal em 1918.
Essa hipótese é corroborada por outro mistério da ciência: um surto de encefalite letárgica, espécie de doença do sono que foi inicialmente associada à gripe, surgido em 1916.
As estimativas do número de mortos em todo o mundo durante a pandemia de gripe em 1918-1919 variam entre 20 e 40 milhões. Para você ter uma ideia nem os combates da primeira ou da segunda Grande Guerra Mundial mataram tanto. Cerca de 9 milhões e 200 mil pessoas morreram nos campos de batalha da Primeira Grande Guerra (1914-1918). A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) responde pela morte de 15 milhões de combatentes.

Fonte:
História. Disponível em: http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=815&sid=7 Acesso: 11 maio 2009.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Brasil investiga vírus letal e pouco conhecido

Estudo identifica distribuição nacional de hantavírus transmitidos por roedores e alerta para risco infecção

Enquanto as autoridades sanitárias estão em alerta por medo da gripe causada pelo vírus H1N1, cientistas brasileiros fazem no país o mapeamento de um vírus muito mais letal, porém bem menos contagioso, o hantavírus.

Transmitida por roedores, a hantavirose (síndrome pulmonar do hantavírus) mata entre 32% e 44,5% das vítimas, dependendo da linhagem do vírus.

A forma mais letal, segundo estudos, pode ser o Hantavírus Araraquara, registrado no interior paulista e no cerrado do Planalto Central. Já a variedade mais comum é chamada de Araucária. Segundo o Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, entre 2003 e 2006 foram registrados 600 casos de hantavirose no Brasil.

O estudo de mapeamento biogeográfico do hantavírus no Brasil foi realizado pela Rede de Diversidade Genética de Vírus, ligada ao Programa Genoma da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O virologista Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB/USP) coordenou o trabalho, que analisou a mortalidade pelo vírus nas diversas regiões: — De São Paulo ao CentroOeste, os vírus estão relacionados e são basicamente do tipo Araraquara. No Sul, há mais um outro tipo, o Juquitiba. Ele e o Araucária, que estão associados à floresta de araucária e à Mata Atlântica, explica o pesquisador: — Quando olhamos as estatísticas de mortalidade por hantavírus, percebemos que a mortalidade mais elevada está onde achamos, principalmente, o Araraquara.

De acordo com Zanotto, essa sobreposição de mapas indica que o vírus paulista é o mais letal, mas as pesquisas precisam avançar para estabelecer, ou não, a correlação entre os tipos de vírus e a taxa de mortalidade.

Alta concentração de roedores aumenta o risco Na América do Sul, de acordo com a pesquisa, os hantavírus estão disseminados por Argentina, Chile e Uruguai (variedade Andes), Paraguai (Laguna Negra), Bolívia (Laguna Negra e Rio Mamoré), Venezuela (Caño Delgadito) e Brasil, principalmente Araraquara, Juquitiba e Araucária.

Para Zanotto, o que agrava a situação do hantavírus no Brasil e na América Latina é a alta concentração de roedores no continente, potencializando o contágio para seres humanos.

Os roedores eliminam o vírus pela saliva, fezes e urina; os homens se contaminam pela inalação do vírus contido nesses dejetos ou por meio de água e alimentos contaminados, ou quando são mordidos: — Um terço dos mamíferos é de roedores e dois terços desses roedores do planeta estão nas Américas. Sabemos que o alastramento do hantavírus começou há cerca de 200 anos, é muito recente. Então, várias espécies de hantavírus estão sendo colonizadas. E, toda vez que o hantavírus muda de reservatório, ele se altera. Isso pode ter consequências na sua capacidade de proliferar em seres humanos.

O risco da propagação de um vírus tão letal exige monitoramento: — Na Argentina houve um foco, não surto, de hantavírus de pessoa para pessoa. Se temos o vírus passando para várias espécies de roedores, colonizando, ele muda, podendo contagiar pessoas.

Sintomas lembram forte gripe

Os sintomas da hantavirose começam a surgir 15 dias após o contágio. Eles são parecidos com os de uma gripe forte, com febre alta, dores de cabeça e no corpo. Os pacientes também sentem dor na região abdominal. A recomendação do Ministério da Saúde é para que o doente procure imediatamente um hospital com Unidade de Terapia Intensiva em busca de diagnóstico rápido e possível tratamento.

A possibilidade de ocorrer uma epidemia de hantavirose, no entanto, é muito pequena. O vírus não tem a mesma capacidade de propagação da gripe, já que o hantavírus no Brasil é transmitido ao homem apenas pelos roedores.

Para provocar uma epidemia, o vírus teria que ser transmitido de uma pessoa para outra, mas isso só foi observado na Argentina.

Na América do Sul, o hantavírus causa uma síndrome pulmonar, mas em outras regiões do mundo ele já provocou severas complicações renais.

Não há vacina nem tratamento específico para a hantavirose e a doença atinge principalmente as regiões Sul e CentroOeste, segundo dados do Ministério da Saúde.

Desenvolvimento de kits de diagnóstico rápido

O Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) do Ministério da Saúde informou que o governo investiu R$ 2,7 milhões no fomento de pesquisas sobre o tema entre 2004 e 2007. As 20 pesquisas desenvolvidas nesse período foram divulgadas no ano passado. Dois dos projetos contemplados buscavam uma detecção mais rápida do vírus, com o desenvolvimento de kits de diagnóstico específicos para as variedades do hantavírus existentes no Brasil.

Já a pesquisa de mapeamento de biogeografia coordenada pelo virologista Paolo Zannotto foi concluída no início deste ano e publicada na revista “Emerging Infectious Diseases”, do governo americano.

Segundo Zanotto, cuidados básicos como lavar as mãos antes de tocarem crianças e idosos, evitar passar as mãos nos olhos, nariz e boca, devem se tornar hábito para os brasileiros na luta contra doenças transmitidas por vírus como a gripe do H1N1 e as hantaviroses.

O pesquisador defende ainda que o governo brasileiro faça uma espécie de treinamento de crise diante da ameaça da gripe H1N1 para saber como agir em caso de uma pandemia: — A gripe causada pelo H1N1 não é a gripe espanhola, do contrário o número de óbitos seria muito maior. Mas temos uma população de mais de seis bilhões de habitantes. Em algum momento, haverá uma pandemia e precisamos estar preparados.

Jornal da Ciência. Disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=6320 Acesso em 04 maio 2009.