segunda-feira, 4 de maio de 2009

Brasil investiga vírus letal e pouco conhecido

Estudo identifica distribuição nacional de hantavírus transmitidos por roedores e alerta para risco infecção

Enquanto as autoridades sanitárias estão em alerta por medo da gripe causada pelo vírus H1N1, cientistas brasileiros fazem no país o mapeamento de um vírus muito mais letal, porém bem menos contagioso, o hantavírus.

Transmitida por roedores, a hantavirose (síndrome pulmonar do hantavírus) mata entre 32% e 44,5% das vítimas, dependendo da linhagem do vírus.

A forma mais letal, segundo estudos, pode ser o Hantavírus Araraquara, registrado no interior paulista e no cerrado do Planalto Central. Já a variedade mais comum é chamada de Araucária. Segundo o Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, entre 2003 e 2006 foram registrados 600 casos de hantavirose no Brasil.

O estudo de mapeamento biogeográfico do hantavírus no Brasil foi realizado pela Rede de Diversidade Genética de Vírus, ligada ao Programa Genoma da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

O virologista Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB/USP) coordenou o trabalho, que analisou a mortalidade pelo vírus nas diversas regiões: — De São Paulo ao CentroOeste, os vírus estão relacionados e são basicamente do tipo Araraquara. No Sul, há mais um outro tipo, o Juquitiba. Ele e o Araucária, que estão associados à floresta de araucária e à Mata Atlântica, explica o pesquisador: — Quando olhamos as estatísticas de mortalidade por hantavírus, percebemos que a mortalidade mais elevada está onde achamos, principalmente, o Araraquara.

De acordo com Zanotto, essa sobreposição de mapas indica que o vírus paulista é o mais letal, mas as pesquisas precisam avançar para estabelecer, ou não, a correlação entre os tipos de vírus e a taxa de mortalidade.

Alta concentração de roedores aumenta o risco Na América do Sul, de acordo com a pesquisa, os hantavírus estão disseminados por Argentina, Chile e Uruguai (variedade Andes), Paraguai (Laguna Negra), Bolívia (Laguna Negra e Rio Mamoré), Venezuela (Caño Delgadito) e Brasil, principalmente Araraquara, Juquitiba e Araucária.

Para Zanotto, o que agrava a situação do hantavírus no Brasil e na América Latina é a alta concentração de roedores no continente, potencializando o contágio para seres humanos.

Os roedores eliminam o vírus pela saliva, fezes e urina; os homens se contaminam pela inalação do vírus contido nesses dejetos ou por meio de água e alimentos contaminados, ou quando são mordidos: — Um terço dos mamíferos é de roedores e dois terços desses roedores do planeta estão nas Américas. Sabemos que o alastramento do hantavírus começou há cerca de 200 anos, é muito recente. Então, várias espécies de hantavírus estão sendo colonizadas. E, toda vez que o hantavírus muda de reservatório, ele se altera. Isso pode ter consequências na sua capacidade de proliferar em seres humanos.

O risco da propagação de um vírus tão letal exige monitoramento: — Na Argentina houve um foco, não surto, de hantavírus de pessoa para pessoa. Se temos o vírus passando para várias espécies de roedores, colonizando, ele muda, podendo contagiar pessoas.

Sintomas lembram forte gripe

Os sintomas da hantavirose começam a surgir 15 dias após o contágio. Eles são parecidos com os de uma gripe forte, com febre alta, dores de cabeça e no corpo. Os pacientes também sentem dor na região abdominal. A recomendação do Ministério da Saúde é para que o doente procure imediatamente um hospital com Unidade de Terapia Intensiva em busca de diagnóstico rápido e possível tratamento.

A possibilidade de ocorrer uma epidemia de hantavirose, no entanto, é muito pequena. O vírus não tem a mesma capacidade de propagação da gripe, já que o hantavírus no Brasil é transmitido ao homem apenas pelos roedores.

Para provocar uma epidemia, o vírus teria que ser transmitido de uma pessoa para outra, mas isso só foi observado na Argentina.

Na América do Sul, o hantavírus causa uma síndrome pulmonar, mas em outras regiões do mundo ele já provocou severas complicações renais.

Não há vacina nem tratamento específico para a hantavirose e a doença atinge principalmente as regiões Sul e CentroOeste, segundo dados do Ministério da Saúde.

Desenvolvimento de kits de diagnóstico rápido

O Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) do Ministério da Saúde informou que o governo investiu R$ 2,7 milhões no fomento de pesquisas sobre o tema entre 2004 e 2007. As 20 pesquisas desenvolvidas nesse período foram divulgadas no ano passado. Dois dos projetos contemplados buscavam uma detecção mais rápida do vírus, com o desenvolvimento de kits de diagnóstico específicos para as variedades do hantavírus existentes no Brasil.

Já a pesquisa de mapeamento de biogeografia coordenada pelo virologista Paolo Zannotto foi concluída no início deste ano e publicada na revista “Emerging Infectious Diseases”, do governo americano.

Segundo Zanotto, cuidados básicos como lavar as mãos antes de tocarem crianças e idosos, evitar passar as mãos nos olhos, nariz e boca, devem se tornar hábito para os brasileiros na luta contra doenças transmitidas por vírus como a gripe do H1N1 e as hantaviroses.

O pesquisador defende ainda que o governo brasileiro faça uma espécie de treinamento de crise diante da ameaça da gripe H1N1 para saber como agir em caso de uma pandemia: — A gripe causada pelo H1N1 não é a gripe espanhola, do contrário o número de óbitos seria muito maior. Mas temos uma população de mais de seis bilhões de habitantes. Em algum momento, haverá uma pandemia e precisamos estar preparados.

Jornal da Ciência. Disponível em: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=6320 Acesso em 04 maio 2009.

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